Como Sistemas de Armas Autônomas podem aumentar a Violência e Insegurança Social na América Latina e Caribe
- Júlia Marcon
- 8 de out.
- 4 min de leitura

A SEHLAC, organização que atua na promoção do Direito Internacional Humanitário (DIH) e do Desarmamento Humanitário na América Latina e Caribe, destacou em documento recente os principais riscos relacionados ao uso de sistemas de armas autônomas considerando as particularidades da região. Embora não exista uma definição única para os sistemas de armas autônomas, a SEHLAC entende-os como sistemas capazes de selecionar e atacar alvos sem intervenção humana significativa. Nesse sentido, “significativa” implica que um ser humano deve manter controle efetivo sobre as funções de seleção de alvos e disparo e, quando isso não ocorre, essas armas contradizem o princípio central do Direito Internacional Humanitário: a humanidade. Afinal, uma máquina que não possui consciência, julgamento humano e capacidade de compreender os complexos contextos que permeiam os conflitos armados não pode tomar, de forma legítima, a decisão de tirar uma vida.
No caso da América Latina e do Caribe, a preocupação é ainda maior uma vez que a região compartilha, além de elementos culturais e sociais, desafios comuns, como desigualdade, pobreza, corrupção, fragilidade institucional e ausência do Estado, somados a heranças coloniais, como a discriminação contra grupos historicamente marginalizados. A soma desses fatores resulta então em graves problemas de segurança, como a violência armada, a atuação de grupos criminosos e a proliferação de armas.
Tendo em vista esse contexto, a SEHLAC defende que a introdução de armas autônomas na América Latina poderia aprofundar vulnerabilidades existentes, aumentar a letalidade da violência e dificultar ainda mais a proteção de civis, ampliando os riscos para a paz e a segurança regional. Dessa forma, facilitando a perpetuação de diferentes tipos de violência regional, como por exemplo, o narcotráfico, que ao ser identificado como um dos principais motores desta violência pode se beneficiar significativamente do uso desses sistemas. Tais tecnologias teriam então o potencial de reforçar as atividades das organizações criminosas ao possibilitar uma vigilância mais eficiente sobre os laboratórios de produção de entorpecentes, além de facilitar o monitoramento e a proteção das rotas de transporte e exportação. Nesse sentido, o emprego de drones armados ou sistemas de vigilância autônomos reduz a necessidade de presença humana direta em áreas de risco, ampliando assim a capacidade de controle territorial de grupos criminosos e tornando suas operações mais sofisticadas e inteligentes. Assim, o acesso a tais recursos tecnológicos não apenas aumentaria a estrutura do narcotráfico frente às forças estatais, como também intensificaria a disputa violenta por rotas estratégicas e zonas de influência.
Outro fenômeno marcante de violência na região, presente em países como Haiti, Guatemala, El Salvador, Honduras, México, Colômbia, Equador e Brasil, diz respeito às disputas entre gangues e organizações criminosas armadas. O acesso a sistemas de armas autônomas colaboraria no aumento desse tipo de conflito, dado que, com tais tecnologias, essas redes teriam condições de expandir suas atividades para áreas onde sua presença ainda é limitada ou inexistente, aumentando o alcance de sua influência e a capacidade de contestar a autoridade estatal. Ademais, com a diminuição da necessidade de exposição direta de membros desses grupos, o emprego desses armamentos aumentaria ainda a letalidade dos confrontos, tornando-os disputas mais persistentes e de difícil contenção, comprometendo mais que a segurança interna dos países, mas da região como um todo.
Na América Latina, a tendência crescente de assassinatos por encomenda é motivo de grande preocupação. O sicariato, prática de contratar alguém para matar outra pessoa, vem se tornando cada vez mais frequente, afetando diferentes países da região de formas distintas, mas com um impacto social e institucional significativo. Os custos desses crimes variam de acordo com a complexidade, o planejamento e os alvos envolvidos, o que evidencia a profissionalização e sofisticação desse tipo de violência. De acordo com a SEHLAC, a introdução de armas autônomas nesse contexto teria um efeito amplificador, pois esses sistemas poderiam executar ataques com rapidez e precisão, sem necessidade de intervenção humana direta, o que não apenas facilitaria a expansão do sicariato, tornando-o mais acessível, como também complicaria enormemente a responsabilização dos autores, já que a rastreabilidade e a atribuição de culpa em ataques automatizados são extremamente difíceis.
Além dessa prática, a organização destacou também o possível uso de armas autônomas em operações de repressão estatal, que representam uma ameaça direta aos direitos humanos, civis e sociais. Sistemas de armamento que podem selecionar e atingir indivíduos de forma autônoma poderiam ser empregados para silenciar opositores políticos, ativistas e qualquer pessoa considerada uma ameaça pelo governo, sem que haja meios claros de responsabilização. Essa falta de rastreabilidade inibe a capacidade das vítimas e da sociedade de buscar justiça, criando um cenário onde a impunidade é a regra e não a exceção. Por consequência, a confiança nas instituições de segurança pública e no Estado de Direito seria profundamente abalada, agravando a sensação de insegurança e reforçando ciclos de violência e autoritarismo.
É importante destacar que os impactos desses sistemas de armas seriam desiguais, atingindo de forma desproporcional mulheres, pessoas com identidades diversas, indivíduos racializados, povos indígenas e outros grupos vulnerabilizados, aprofundando desigualdades estruturais e ampliando cenários de insegurança. Nesse âmbito, é possível concluir que o uso de armas autônomas na América Latina poderia intensificar de maneira alarmante as dinâmicas de violência historicamente presentes na região. A Red SEHLAC reitera, nesse sentido, que a única forma de evitar os danos das armas autônomas é proibir plenamente sistemas que selecionam e atacam alvos sem intervenção humana significativa, buscando garantir que decisões letais nunca sejam tomadas por algoritmos. Portanto, é fundamental que os Estados da América Latina e do Caribe atuem de maneira firme e coordenada, demonstrando compromisso político e responsabilidade coletiva, a fim de enfrentar de forma eficaz a ameaça humanitária representada pelos sistemas de armas autônomas.
Referência:
RED SEHLAC. The dangers of autonomous weapons systems from a Latin American perspective Latin America and the Caribbean - Red SEHLAC. https://docs-library.unoda.org/General_Assembly_First_Committee_-Seventy-Ninth_session_(2024)/78-241-SEHLAC-EN.pdf
Redação: Júlia Marcon










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