Reunião Intermediária do Tratado de Erradicação de Minas em 2025: Principais informações e destaques
- Giovanna Rezende
- 2 de jul.
- 8 min de leitura
Atualizado: 8 de out.

As Reuniões Intermediárias (Intersessional Meetings) são encontros de planejamento e preparação antes das Reuniões dos Estados Partes (MSPs). Por exemplo, é nesse espaço que os Estados que ainda têm obrigações de desminagem apresentam, pela primeira vez, seus pedidos de prorrogação, caso não consigam concluir a limpeza até o prazo anteriormente acordado. Dessa forma, se outros Estados tiverem sugestões ou comentários sobre os pedidos de extensão, há tempo para ajustá-los antes da aprovação oficial durante a MSP.
Como há muitos temas a serem discutidos sobre a implementação do Tratado de Erradicação de Minas, as Reuniões Intermediárias oferecem tempo adicional para que os delegados possam debater e se planejar. Se tudo ocorresse apenas nas MSPs, não haveria tempo suficiente para incorporar efetivamente os comentários de outros Estados e compreender os desafios enfrentados por cada um.
As Reuniões Intermediárias de 2025 do Tratado de Erradicação de Minas aconteceram de 17 a 20 de junho. Você pode ler um resumo do que foi discutido a seguir:
Abertura:
Tun Channareth, Embaixador da ICBL do Camboja, discursou na sessão de abertura em nome da ICBL e de sobreviventes de minas terrestres, compartilhando sua história pessoal como sobrevivente e destacando as prioridades da campanha para o encontro. Ele então entregou à Embaixadora Tomiko Ichikawa, do Japão, atual presidente do Tratado, dois apelos conjuntos internacionais que pedem aos cinco Estados que consideram se retirar do Tratado que permaneçam e rejeitem as minas terrestres. O primeiro apelo foi assinado por 101 laureados com o Prêmio Nobel, incluindo Lech Walesa, da Polônia, e outros 18 vencedores do Nobel da Paz. O segundo apelo foi assinado por outras figuras proeminentes, incluindo dois ex-ministros finlandeses.
Universalização
Crescimento da adesão: As Ilhas Marshall relataram com orgulho sua recente ratificação do Tratado, tornando-se o 165º Estado Parte. A adesão entra em vigor em 1º de setembro. Tonga anunciou seu processo para aderir ao Tratado, que se consolidou uma semana depois da reunião, se tornando oficialmente um Estado Parte.
Retirada do Tratado por cinco Estados europeus
Estônia, Finlândia, Letônia, Lituânia e Polônia foram convidadas a explicar seus processos e justificativas de retirada. Fizeram declarações semelhantes, "expressando pesar", mas citando a guerra da Rússia contra a Ucrânia e o agravamento da segurança regional como motivos. Todos afirmaram continuar comprometidos com o Direito Internacional Humanitário (DIH), especialmente o Protocolo II Emendado da CCW, e reafirmaram o apoio à ação humanitária contra minas, cooperação internacional e transparência. A Finlândia afirmou que, embora pretenda se retirar, não incentivará outros países a fazerem o mesmo. Todas as afirmações são ironicas tendo em vista que ser comprometido com o DIH seria permanecer no tratado, respeitando sua superioridade tanto em tempos de paz quanto de guerra.
Diversos Estados e organizações expressaram profunda preocupação e pediram que esses países reconsiderem a decisão ou, ao menos, adiem a ação para permitir mais diálogo. Falaram, entre outros: Argélia, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Colômbia, Alemanha, Irlanda, Mauritânia, Nova Zelândia, Noruega, Panamá, Peru, Filipinas, África do Sul, Espanha, Suíça, Tailândia, Santa Sé, Turquia, Reino Unido e Zâmbia, além do Príncipe Mired da Jordânia, como Enviado Especial para a Universalização.
Declarações regionais foram feitas pela África do Sul (em nome do grupo africano), México (em nome de vários países latino-americanos) e Áustria (declaração trans-regional). A maioria destacou que minas antipessoais são armas indiscriminadas proibidas devido a seus graves custos humanitários. Muitos disseram que seu valor militar é superado por esses custos e que seu uso jamais é compatível com o respeito ao DIH. Outros apontaram que, embora entendam as preocupações de segurança, abandonar as regras da guerra em momentos de crise prejudica gravemente o DIH e pode gerar precedentes perigosos para outras situações.
O país que se posicionou mais fortemente contra as retiradas foi a África do Sul, tanto em sua declaração individual quanto em uma declaração conjunta em nome do Grupo Africano. A África do Sul propôs que a Convenção criasse um Grupo de Trabalho para tratar especificamente dos países que estão considerando se retirar do tratado, e criticou duramente os cinco países que anunciaram a retirada. Em suas palavras:
“É justamente nesses tempos de incerteza global que devemos fortalecer o direito humanitário... preocupações de segurança não podem se tornar uma justificativa para enfraquecer o direito internacional humanitário.”
As críticas mais duras, que nomearam diretamente os países e denunciaram duplos padrões, vieram da Argélia, Panamá e Zâmbia. Alemanha, Espanha e Reino Unido adotaram tom mais moderado, reconhecendo as preocupações de segurança, mas incentivando o engajamento contínuo com o tratado. A Alemanha pediu foco nos ganhos humanitários e na universalização do tratado. Espanha e Reino Unido elogiaram a transparência dos países em retirada e reafirmaram seu próprio compromisso com o tratado. Organizações como ONU, CICV, ICBL, UIP, NPA, MAG, Protection e Legacies of War condenaram as retiradas e pediram que os países permaneçam no tratado.
Ao final da sessão, a ICBL entregou à Presidência e aos cinco países uma petição com mais de 80 mil assinaturas de pessoas de toda a Europa pedindo que permaneçam no Tratado, muitas delas dos próprios países em questão.
Desminagem e Levantamento
Omã anunciou que concluiu a limpeza de todas as áreas contaminadas e declarará oficialmente o cumprimento do Artigo 5 em dezembro. A Croácia afirmou estar no caminho certo para cumprir o prazo de 1º de março de 2026.O Equador, que planejava concluir em 2025, solicitará extensão até 2027.
Treze Estados solicitaram extensões, a maioria visando prazos até 2030: Angola, Burkina Faso, Camboja, Colômbia, RDC, Etiópia, Nigéria, Senegal, Sudão do Sul, Tajiquistão, Turquia e Zimbábue. Mali pretende solicitar até 2026.O Sri Lanka, anteriormente com prazo até 2028, alertou que isso pode não ser possível devido a cortes de financiamento. A Bósnia e Herzegovina apresentou projeções com cenários que vão até 2043. Muitos Estados afetados apontaram a redução de financiamento como principal desafio. Estados e organizações como Canadá, Irlanda, Suíça, UE e ICBL expressaram preocupação com os atrasos na implementação do Artigo 5 e com as repetidas extensões de prazo.
Educação sobre Riscos
Pela primeira vez, a agenda do tratado incluiu uma sessão dedicada à educação sobre riscos, com intervenções de quatro Estados (incluindo a Palestina) e três organizações, focando em necessidades e desafios de implementação.
Cooperação e Assistência Internacional
Houve ampla preocupação com a redução do financiamento por parte de doadores, especialmente diante de crises globais e cortes dos EUA. Foram feitos apelos por modelos de financiamento flexíveis e plurianuais para garantir continuidade. Países como Alemanha, Noruega e Países Baixos ressaltaram a necessidade de os Estados afetados assumirem responsabilidade primária, técnica e financeira, por seus programas. Modelos inovadores de financiamento foram bem recebidos, como o Impact Bond no Camboja (Reino Unido/APOPO) e a cooperação triangular do Japão. França, Dinamarca e Austrália reafirmaram seu compromisso financeiro apesar dos desafios globais.
Um painel temático sobre “Financiamento da Ação contra Minas e Novas Oportunidades”, com apresentação do Landmine Monitor, destacou a pressão financeira no setor:
A base de doadores pouco mudou em cinco anos.
75% do financiamento está concentrado em seis países.
Países como Chade, Níger e Senegal recebem menos de 1% do apoio internacional total.
Mecanismos inovadores como Development Impact Bonds e frontloading foram promovidos como soluções.
Fundo Fiduciário Voluntário (VTF)
A Noruega, em nome do grupo de trabalho do VTF, atualizou os participantes sobre discussões quanto à viabilidade do fundo para apoiar países afetados que recebem pouco ou nenhum apoio internacional. O conceito foi amplamente apoiado, especialmente por Estados afetados e pela sociedade civil, incluindo a ICBL.
Conformidade
A Ucrânia relatou que a investigação sobre o uso de minas por suas forças em Izium (2022) ainda está em andamento. Outra investigação foi iniciada sobre o uso extensivo de minas pela Rússia. Quanto às transferências de minas antipessoais dos EUA no ano passado, a Ucrânia declarou que “não possui informações nem pode confirmar quaisquer informações sobre a transferência para a Ucrânia de munições que se enquadrem na definição de minas antipessoais conforme o parágrafo 1 do Artigo 2 da Convenção de Ottawa”. Sudão e Iémen forneceram atualizações breves sobre alegações de uso de minas, citando desafios de segurança e acesso como impedimentos. Apenas algumas delegações trataram diretamente de questões de conformidade: Noruega, ICBL, MAR e NPA.
Assistência às Vítimas
Muitos países (ex: Angola, Camboja, RDC, Etiópia, Sri Lanka, Somália, Sudão do Sul) relataram avanços na coleta de dados, coordenação e prestação de serviços. Barreiras comuns incluíram financiamento inadequado, infraestrutura precária, falta de pessoal capacitado e inacessibilidade em áreas rurais ou afetadas por conflitos (ex: Burundi, Etiópia, Mali, Palestina). Apesar das dificuldades, muitos reafirmaram o compromisso com a articulação da assistência com a CRPD, os ODS e políticas de desenvolvimento inclusivo (ex: Senegal, Colômbia, El Salvador).
Destruição e Retenção de Estoques
A Grécia informou ter destruído 35.000 minas desde a 5ª Conferência de Revisão. Embora o processo esteja temporariamente pausado por problemas nas instalações, espera-se que seja retomado em breve.
Eventos Paralelos (Side Events)
Diversos eventos paralelos correram durante a semana em Genebra, abordando temas essenciais da ação contra minas. Um dos destaques foi a apresentação de tecnologias inovadoras para desminagem humanitária, com o Japão demonstrando soluções baseadas em inteligência artificial, sensores duplos e robôs controlados remotamente. Também foram discutidos os avanços do novo projeto da União Europeia para apoiar o tratado, além de iniciativas nacionais, como a estratégia do Sri Lanka para concluir suas obrigações de desminagem com base em metodologias padronizadas e participativas.
Questões humanitárias e de assistência às vítimas também foram amplamente tratadas. Um evento específico abordou as lacunas na assistência nos territórios palestinos ocupados, enquanto outro focou na importância da desminagem para o retorno seguro de deslocados no Oriente Médio. Organizações como ICBL, Handicap International e Human Rights Watch apresentaram dados recentes sobre os danos civis causados por minas antipessoais em conflitos como os da Ucrânia e da Síria, reforçando a urgência da implementação do tratado em contextos de crise prolongada.
O debate sobre a retirada de cinco países europeus do tratado gerou forte mobilização da sociedade civil e de organizações internacionais. Um evento organizado pela Norwegian People’s Aid e ICBL destacou os riscos que essas retiradas representam para as normas humanitárias globais, denunciando a tentativa de justificar o uso de minas sob argumentos de segurança regional. Os eventos paralelos reforçaram, de forma complementar às sessões principais, a relevância contínua do tratado como pilar do Direito Internacional Humanitário e da proteção de civis.
Impacto dos jovens no Tratado de Proibição de Minas Intersessionais
As Reuniões Intermediárias oferecem uma oportunidade adicional para que as vozes da sociedade civil sejam ouvidas pelos tomadores de decisão. Neste ano, embora a Mines Action Canada não estivesse representada por sua equipe e apenas uma Mine Action Fellow estivesse presencialmente na sala, as contribuições do grupo foram incorporadas ao encontro por meio de uma iniciativa colaborativa que permitiu a circulação de mensagens de jovens ativistas de países como Paquistão, Nigéria, Síria e Camboja. Essas mensagens foram impressas e colocadas nas mesas de todos os delegados presentes, com apoio de diversos Fellows que também assinaram os textos, inclusive membros da Dhesarme.
Preparativos para a 22ª Reunião dos Estados Partes (MSP)
Reunião preparatória informal será realizada em meados de setembro de 2025 (data a confirmar).
A 22ª MSP ocorrerá em Genebra, de 1 a 5 de dezembro de 2025.
Reuniões de 2026
A Zâmbia presidirá a 23ª MSP.
23ª MSP: Palais des Nations, Genebra, de 30 de novembro a 4 de dezembro de 2026.
Reuniões Intermediárias: CICG, Genebra, de 15 a 18 de junho de 2026.
Referências:
ANTI-PERSONNEL MINE BAN CONVENTION. 2025 Intersessional Meetings. Disponível em: https://www.apminebanconvention.org/en/meetings/intersessional-meetings/2025-im.
INTERNATIONAL CAMPAIGN TO BAN LANDMINES – CLUSTER MUNITION COALITION (ICBL-CMC). Nobel Laureates Back the Ban on Antipersonnel Landmines. Disponível em: https://www.icblcmc.org/our-impact/nobel-laureates-back-the-ban-on-antipersonnel-landmines.
INTERNATIONAL CAMPAIGN TO BAN LANDMINES – CLUSTER MUNITION COALITION (ICBL-CMC). Joint Appeal to Uphold the Convention on the Prohibition of Anti-Personnel Landmines and the Convention on Cluster Munitions. Disponível em: https://icblcmc.org/our-impact/joint-appeal-to-uphold-the-convention-on-the-prohibition-of-anti-personnel-landmines-and-the-convention-on-cluster-munitions.
MINES ACTION CANADA. 2025 Intersessionals Summary. Disponível em: https://www.minesactioncanada.org/2025intersessionals.
Redação: Giovanna Rezende










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