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Polícia e militarização: como o uso de armas militares pela polícia aumenta a violência e a injustiça no Brasil

  • João Vítor Mercês
  • 9 de out.
  • 5 min de leitura
Imagem: Polícia Militar de Pernambuco (PMPE)
Imagem: Polícia Militar de Pernambuco (PMPE)

A população delega à polícia a autoridade para se fazer cumprir o direito penal e promover segurança pública. Como parte dessa delegação, é dado aos policiais o uso legítimo da força e até mesmo da violência para cumprir seus objetivos. Essa aplicação da força é então parte do dia a dia da população, de forma que algumas fatias desta têm maior contato com a ideia de segurança pública, enquanto outras recebem a parcela da violência e da coerção policial. Infelizmente, a realidade contemporânea revela como tais aplicações se dão de forma injusta e desnecessária em muitos casos, surgindo então a necessidade de mecanismos que evitem o uso excessivo da força. Nesse cenário, um dos principais fatores que causam esse desvio do uso da força policial é a cultura estratégica presente nas corporações policiais, definindo os meios de abordagem e ação no ato do policiamento.

Em 2022, três ex-policiais da Polícia Rodoviária Federal (PRF) abordaram um motociclista por dirigir sem capacete. O homem, sem demonstrar resistência, ao descer da moto foi violentamente derrubado ao chão, momento em que foi algemado e atingido por spray de pimenta. Já imobilizada, a vítima foi colocada na traseira de uma viatura onde, em seguida, o policial Paulo Rodolpho lançou uma granada de gás lacrimogêneo no interior do veículo e forçou a porta contra as pernas do cidadão. A perícia calculou que a vítima foi sufocada dentro da viatura por 11 minutos, o que resultou em sua morte.

Esse é um dos milhares de casos que contabilizam, todos os anos, o uso indevido da força por corporações policiais. No ano de 2023, 4.025 foram mortas por agentes da polícia, de acordo com a Rede de Observatórios da Segurança. Dessas quatro mil mortes, negros representaram 87,8%, ou seja, a cada quatro horas uma pessoa negra foi morta pela polícia. Sendo assim, pode-se aferir como o perfil abordado pela polícia atende a critérios que não deveriam, como a cor de pele. Desta forma, compreender a dimensão do uso desnecessário ou desproporcional da coerção policial exige, além da identificação da vítima, os fatores que influenciam a permanência desse tipo de operação. Com isso, ressalta-se o vigente processo de militarização de corporações policiais e seu impacto na psique do policial, desde a realização de seu trabalho até sua interação com a população que, a princípio, deve defender.

Arthur Rizer, ex-policial estadunidense e acadêmico pesquisador da militarização da polícia nos Estados Unidos, fala que este processo fez com que fosse adotada, no meio cultural da polícia, uma “mentalidade de guerreiro” que se origina na distribuição de armas de grau militar para o corpo policial do país. Essa distribuição de armamentos cada vez mais potentes, veículos blindados e equipamentos pessoais de defesa militar deu início a uma série de casos em que forças especiais com perfil militar foram progressivamente mais usadas com menos especificidade e em contextos mais urbanos. 

Nesse processo, a violência policial passa a ser normalizada, pois as forças altamente militarizadas e projetadas para situações específicas passam a ser utilizadas em todos os ambientes durante operações policiais. Junto à operação, a dita “mentalidade de guerreiro” vem em conjunto com esses equipamentos militares que, de acordo com Rizer, afetam todos os níveis do treinamento policial ao aplicarem um modelo de estresse similar ao do exército, com ênfase em procedimentos militares, inspeções diárias, demandas físicas intensas, disciplina pública e reação imediata a infrações. Esse treinamento tende a focar em operações, investigações, veículos e treinamento com armas táticas policiais que não envolvem a prática da profissionalização do policiamento, o regulamento do uso da força ou habilidades de inteligência emocional.


Durante pesquisa sobre esta tendência de militarização policial, Rizer realizou um questionário de três perguntas para forças policiais, das quais são:

  1. Você vê algum problema em policiais carregando, de forma rotineira, em patrulhas, equipamento de grau militar ou vestindo uniformes e equipamentos militares? 94% dos policiais responderam que não viam nenhum problema nisso.

  2. Você acha que isso muda a forma como os policiais se sentem sobre eles mesmos e o papel deles no policiamento? 77% dos policiais responderam que sim e complementaram dizendo que se tornam mais agressivos, assertivos e podem torná-los mais violentos.

  3. Como você acha que a população olha pra você? 83% dos policiais disseram que isso assusta/intimida a população.


Para tanto, demonstra-se que a utilização de equipamento militar por policiais, cientes da intimidação que esse causa à população, os torna mais violentos, dando espaço para maiores ocorrências de cenários de injustiça e aplicação desnecessária da força sobre cidadãos.  A partir disso, como é possível refletir a pesquisa feita à realidade brasileira? Diferente dos Estados Unidos, que começou a distribuir aparato militar à polícia a partir de 1990, com o Ato de Autorização de Defesa Nacional do programa 1033, o Brasil tem órgãos como a Polícia Militar (PM) ativos desde o início do século XIX, com a chegada de Dom Pedro I. Dessa maneira, é evidente como, em casos como o brasileiro, características da militarização policial como a “mentalidade de guerreiro” estão profundamente enraizadas numa cultura policial que trabalha a partir da imposição do medo, não da segurança.

Perante o exposto, existe um problema essencial para o entendimento da dimensão brasileira e latino-americana da questão: as organizações criminosas e os cartéis de tráfico de droga intensificam a necessidade de preparo policial mais robusto, recaindo no uso de armas militares. Porém, é indispensável que seja destacado como, durante operações policiais em prol do combate ao tráfico e ao crime organizado, boa parte das regiões afetadas são onde a desigualdade e mais assola a população, como favelas e comunidades, espaços de grupos altamente racializados e mais afetados pelas consequências desse militarismo policial.

Ano após ano, milhares de pessoas negras inocentes são assassinadas devido a uma condução policial munida por equipamentos de guerra no tratamento de civis. A questão que se coloca à realidade brasileira, portanto, é: a polícia pode precisar de armamento militar para combater o crime organizado; entretanto, é esse equipamento que vai acabar com essa espiral de criminalidade? Indicadores revelam, cada vez mais, que o crime organizado no Brasil está atrelado à desigualdade social; uma polícia com calibres mais potentes e carros blindados não resolverá o problema, pelo contrário, tal processo colabora na escalada do nível de fatalidade em comunidades, especialmente de pessoas negras. A chave de combate ao crime é a redução da desigualdade e suas fontes. Em vez de triplicar o orçamento da polícia militar para modernização das suas forças, faz-se necessário o investimento em educação, saúde, infraestrutura e direitos básicos, a fim de, dessa maneira, pôr freios ao ciclo que se estabelece de norte a sul.

Reverter a mentalidade policial é essencial para restaurar a relação entre a polícia e a comunidade e preservar, assim, a legitimidade da polícia e de seu uso, quando estritamente necessário, da força. O dever policial de cumprimento da lei e zelo pela vida e integridade civil vêm sendo contrastados, por décadas, com casos em que o poder é utilizado de forma inapropriada, particularmente quando aplicado ao corpo negro. Uma infeliz herança estrutural da formação histórica do Brasil que afeta suas corporações policiais e cultura de defesa e segurança populacional. Limitar a capacidade violenta da polícia e como seus instrumentos de trabalho afetam suas operações é imprescindível na garantia da justiça e da manutenção da polícia como defensora dos direitos civis.


Redação: João Vítor Mercês


Referências


REDE DE OBSERVATÓRIOS DA SEGURANÇA. Pele Alvo: Mortes que revelam um padrão. Nov 2024. Disponível em: https://observatorioseguranca.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2024/11/RELATORIO_REDE-DE-OBS_PELE-ALVO-4_web-2.pdf. Acesso em: 6 out. 2025.


RIZER, Arthur; MOONEY, Emily. The Evolution of Modern Use-of-Force Policies and the Need for Professionalism in Policing. The Federalist Society Review, v. 21, p. 114–128, 2020. Disponível em: https://fedsoc.org/commentary/publications/the-evolution-of-modern-use-of-force-policies-and-the-need-for-professionalism-in-policing . Acesso em: 6 out. 2025.


PRÓSPERO, Luís. Why the US police is so brutal and militarized. Illumination (Medium), 28 jun. 2020. Disponível em: https://medium.com/illumination/why-the-us-police-is-so-brutal-and-militarized-89d765ca797a. Acesso em: 6 out. 2025.


Agência Brasil. Três ex-policiais rodoviários são condenados pela morte de Genivaldo. Agência Brasil, 7 dez. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-12/tres-ex-policiais-rodoviarios-sao-condenados-pela-morte-de-genivaldo#:~:text=Com%20a%20vítima%20rendida%20e,11%20minutos%20e%2027%20segundos.. Acesso em: 6 out. 2025.


Senado Federal. Polícias militares têm origem no século 19. Senado Notícias, 26 nov. 2013. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/25/policias-militares-tem-origem-no-seculo-19. Acesso em: 7 out. 2025.

 
 
 

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