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Entrevista com Mamadou Alpha Diallo sobre a Importância da Atuação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha

  • Júlia Marcon
  • 12 de jun.
  • 4 min de leitura

No dia 24 de fevereiro, a Dhesarme teve a oportunidade de realizar uma entrevista com Mamadou Alpha Diallo, professor do curso de Relações Internacionais e Integração na UNILA.  Formado em Administração, mestre em Ciências Políticas e doutor em Estudos Estratégicos, Mamadou também teve experiências trabalhando no Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no Senegal, seu país de origem. O CICV é a maior organização humanitária do mundo, agindo de forma imparcial, neutra e independente, com o objetivo principal de proteger a dignidade das pessoas afetadas por conflitos armados, prestando assistência médica e abrigo em contextos de vulnerabilidade.

Mamadou comentou sobre o contexto senegalês na década de 1990, quando o país passava por um processo de reajustamento estrutural, em razão da implementação das medidas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, nos parâmetros do neoliberalismo. Como resultado, o Senegal enfrentou grandes mudanças sociais e econômicas em razão do início da privatização dos serviços básicos, como saúde e educação. Esses fatores impactaram diretamente na atuação do CICV pois, como o Estado não recrutava mais médicos, a organização era quem assumia a maior parte do atendimento em hospitais. O professor mencionou que, no Senegal, todos os colégios tinham aulas extracurriculares relacionadas ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha e destacou que o que o levou a entrar na organização foi a sua crença nos ideais de neutralidade e imparcialidade do CICV. Na escola, ele e seus colegas frequentavam aulas de primeiros socorros e também estudavam sobre a história da Cruz Vermelha, existindo assim um equilíbrio entre aulas teóricas e práticas. Ele também compartilhou que trabalhou durante muito tempo em hospitais, fazendo curativos e atuando nos primeiros socorros dos pacientes, uma vez que serviços de saúde estavam prejudicados pelas privatizações.

Para Mamadou, o ano de 1993 foi muito marcante em razão do agravamento dos conflitos armados e separatistas na região de Casamansa, no sul do Senegal, resultando em muitas mortes e feridos. Nesse período, muitas pessoas desapareciam e eram levadas para as florestas, onde eram mortas. Os membros do CICV, nessas situações, eram os responsáveis por procurar os cadáveres e tentar fazer seu reconhecimento, tarefa extremamente difícil considerando que muitos já se encontravam em estado de decomposição quando eram encontrados pelas equipes. Naquele ano, grande parte da população fugiu da cidade de Mamadou, ficando em sua casa apenas ele e seu primo. “Nossos professores todos fugiram, então não tinha aula. A cidade ficou totalmente deserta”, relatou.

Na época, Mamadou e seu primo leram o livro de Henry Dunant, fundador do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, “Lembranças de Solferino”, obra que descreve as atrocidades das batalhas armadas, expondo o sofrimento dos soldados e a falta de assistência médica nesses contextos. Inspirados por esse formato de relato, eles tiveram a ideia de catalogar informações de Casamansa, anotando em um caderno dados sobre atentados na região e número de feridos e mortos. Quanto às informações que coletava, Mamadou relata grande medo de ser descoberto:

"Eu tinha um caderno de 400 páginas, onde a gente escrevia tudo que acontecia. [...] Um belo dia a gente acordou e questionou, se os militares entrarem aqui em casa, revistarem a casa e virem esse caderno com todas essas informações, eles vão dizer que a gente é rebelde. [...] A gente tinha 15, 16 anos. Acabamos destruindo todo o material. Hoje me arrependo porque era uma matéria prima que eu poderia usar para fazer muitas coisas.”

Entre 1995 e 2001, Mamadou teve experiências dando aulas no interior do Senegal e destacou seu trabalho de sensibilização das crianças em relação a armamentos explosivos. A iniciativa se mostra essencial, principalmente considerando que quase metade das vítimas registradas de minas terrestres são crianças que, atraídas pelas formas e cores das bombas, se aproximam das mesmas, resultando em explosões que geram ferimentos e, em vários casos, morte.

“A gente chamava os militares pra mostrar, por exemplo, como é uma mina, o que é uma mina e quais são as medidas que você deve tomar quando está na frente de um artefato desses. [...] Os militares iam no pátio da escola, eles desmontavam e montavam uma mina para mostrar como funciona”.

Assim, Mamadou destacou que a Cruz Vermelha tem uma relevância muito grande do ponto de vista humanitário, no mundo inteiro.

“Agora mesmo, quando vocês olham essa troca de prisioneiros entre o Hamas e Israel, quem está fazendo essa mediação é a Cruz Vermelha Internacional. Então a Cruz Vermelha tem uma importância gigantesca, por sua neutralidade."

Ao nos encaminharmos para o fim da entrevista, Mamadou também comentou sobre a importância do combate a minas antipessoal:

“Quem nunca viveu em zonas de conflito não tem noção da gravidade desses artefatos. [...] O último acidente em que eu participei de um atendimento a um ferido em minas, eu vi um carro pulando em uma mina”.

Ele relata que quando ele e seus companheiros foram socorrer a vítima, o motorista do veículo havia perdido o pé. Durante o caos e pressa do momento, Mamadou e seus colegas esqueceram o pé do homem no carro e, durante o atendimento da vítima, os enfermeiros tiveram que voltar ao local do acidente para buscar o membro. Mamadou ressaltou, nesse contexto, a relevância de organizações como a Dhesarme para a conscientização da população sobre os impactos desses armamentos:

“Quando você vê as pessoas que são vítimas de minas, na minha cidade tem muitos, você vê que é uma tragédia humanitária que dura para sempre, que destrói vidas. É por isso que eu acho que essa sensibilização é necessária”.

Agradecemos profundamente ao Professor Mamadou por compartilhar conosco sua trajetória inspiradora, marcada pelo compromisso com a transformação social. Foi uma honra poder ouvir suas vivências e aprendizados!


Redação: Júlia Marcon


 
 
 

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